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Qualquer pessoa que está lendo este texto já deve ter usado essa receita antes: compressas de gelo para tratar lesões. Você não precisa nem ir ao médico para utilizar esse remédio aparentemente milagroso. O uso de gelo para lesões é, provavelmente, a cura medicinal mais difundida na sabedoria popular, mais que sal embaixo da língua para problemas de pressão baixa ou batidinha nas costas para quem está engasgado. A diferença do uso do gelo para essas demais receitas caseiras, no entanto, é que tratar uma lesão com gelo para acelerar a recuperação não funciona.
Antes que você comece a relembrar todas as vezes que você utilizou gelo para tratar lesões e que “deu certo”, cabe se perguntar: quais as evidências que você tem que sua recuperação não teria sido a mesma – ou muito melhor – se você não tivesse usado o gelo? E o que te leva a acreditar que o processo inflamatório natural do seu corpo é um erro e, por isso, retardá-lo com gelo foi a melhor solução?
Hoje em dia, muitos estudos comprovam que o uso de gelo é ineficiente para tratar lesão. Confira abaixo informações que podem mudar sua percepção sobre esse tratamento.
POR QUE TRATAMENTO DE LESÃO COM GELO NÃO FUNCIONA?
O que acontece quando o corpo sofre uma batida ou uma lesão? A área fica dolorida, inchada e vermelha, certo? Certo! E para resolver todos esses problemas, uma pessoa deve colocar gelo para reduzir o espasmo muscular, a dor e o processo inflamatório, não é mesmo? Errado!
Realmente colocar gelo na área ajuda a diminuir a dor, mas não há comprovação de que reduza o inchaço ou o processo inflamatório, mas apenas retarde. E ainda pior: retardar o processo inflamatório não é desejado para quem quer se recuperar de uma lesão, já que retardar a inflamação também retarda a cura.
É difícil refutar uma prática tão usada nos dias de hoje, mas não faltam evidências de que o gelo é ineficiente para lesões. O Doutor Gabe Mirkin, o médico que popularizou o uso do gelo na década de 1970 para tratamento de lesão, publicou ano passado que, na verdade, o gelo retarda a recuperação (confira o artigo de Mirkin, em inglês).
Gary Reinl, que tem uma experiência de cerca de 40 anos na área de medicina esportiva, possui um dos livros mais famosos no tema, chamado Iced! The Illusionary Treatment Option com prefácio de Kelly Starrett (informações sobre o livro aqui, em inglês). Desde que descobriu que o uso do gelo é não só uma falácia, como prejudicial para recuperação do atleta, Gary tem se empenhado para destruir o que ele chama de “era do gelo”. O autor ressalta que o uso de gelo pode até reduzir a dor, mas não elimina (e dificulta o processo de eliminação) do que causa essa dor.
Para comprovar seus argumentos, Gary cita a pesquisa de 2012 do British Journal of Sports Medicine (disponível em inglês) e o estudo de 2013 publicado no Journal of Strength and Conditioning Research (também disponível em inglês). Enquanto o primeiro estudo trata da falta de comprovação da eficácia do uso do gelo para tratamento de distensões musculares, o segundo demonstra que o gelo retarda a recuperação de lesões musculares.
Outro livro referência no tema é o Don’t Ice that Ankle Sprain (“Não coloque gelo neste tornozelo torcido”, em tradução livre). O autor do estudo, Dick Hartzell, acredita que colocar gelo em torções e lesões deveria ser ilegal. E já conseguiu convencer algumas pessoas referências em saúde e fitness, como o autor do método de treinamento “The Elite Trainer”, John Paul Catanzaro (saiba mais neste artigo da revista canadense Maclean’s, em inglês).

O uso de gelo para tratamento de lesões ainda é uma prática comum, embora seja ineficaz.
E, por fim, há comprovações de que o gelo não só retarda a recuperação, mas também reduz força, velocidade, resistência e coordenação do atleta. Em um estudo publicado pela Sports Med, de 2011, ficou demonstrado que houve redução do desempenho de atletas que utilizaram compressas de gelo por mais de 20 minutos.
TRÊS MOTIVOS PARA VOCÊ NÃO UTILIZAR GELO PARA TRATAR LESÕES
Conforme vimos, os estudos recentes sobre o uso de gelo para tratar lesões têm evidenciado que:
- O processo de inflamação é imprescindível para o processo de cura.
- O gelo impede que as células da cura entrem no tecido lesionado. Portanto, prejudicam o processo inflamatório e, consequentemente, a cura.
- O gelo também pode reduzir força, velocidade, resistência e coordenação do atleta.
Mas, se tantos estudos comprovam que o uso de gelo é ineficiente, porque tanta gente continua usando? Responder a essa pergunta não é fácil, mas não desprezemos a força da cultura, da sabedoria popular e da medicina tradicional. Preceitos praticados por anos, mesmo que sem embasamento científico, são difíceis de serem refutados.
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