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Parte 4 – Decisão em Alto Mar
O capitão continuou: “Vamos percorrer 20km de lancha e aí você volta pra água e terá a chance de aproveitar a corrente marítima para completar a prova.”.
Por mais que estivéssemos nos esforçando bastante para manter uma velocidade razoável, depois de 40km, ainda não tínhamos atingido a média necessária. Eu procurava visualizar o ritmo ideal e até conseguia, mas não mantendo-o pelos próximos 80km.
No treino, no lago em Brasília, remei, por diversas vezes, no ritmo necessário para completar a prova dentro do tempo limite. Totalmente viável para 1h ou 2h de treino, mas não para 18h, ainda mais que no treino eu não fazia paradas, não diminuía o ritmo por conta de cansaço e nem sofria quedas.
O que me dava esperanças era que a corrente marítima fosse fazer a diferença na travessia. De fato, o mar estava dando um empurrãozinho, mas com as quedas, o problema no meu remo e as paradas de hidratação e alimentação, o empurrãozinho ainda não era o bastante. Mesmo tentando compensar o tempo parado, nosso ritmo médio ainda era insuficiente.
Eu sabia que o início seria mais lento, mas esperava que, depois de alguns km, 10 a 20, as coisas iriam melhorar, por volta de 50%.
Não melhorou. Nem depois de 10km, nem de 20km, nem de 30km e nem depois de 7h de travessia.
Das nossas primeiras 10 parciais de quilometragem, 3 foram melhores, mas apenas em 30%. Às vezes, um trecho tinha uma boa média porque não tinha nenhuma parada, mas aí o próximo trecho tinha, e aí, a média caía.
O capitão sabia das minhas intenções e por mais que subir na lancha representasse um desastre para o meu plano, por mais que uma vez na lancha, não tivesse mais como voltar atrás e tentar de novo, consigo entender o porquê dele ter tomado essa decisão. Por isso, aceitei as circunstâncias.
Não que eu tivesse outra opção, mas aceitei no sentido de não deixar isso me abalar, afinal, ficar puto, desistir ou reclamar não iria melhorar nem a minha experiência e nem a da minha equipe. Doeu um pouco, mas não deixei isso tirar meu foco de voltar para água e remar até chegar na praia!
Um outro fator que me fez aceitar melhor essa decisão foi eu estar sendo muito bem cuidado, o tempo inteiro, por toda a equipe. O capitão, a Hannah e o Alan estavam a todo momento, do barco, perguntando como nós nos sentíamos. Ofereciam e nos entregavam água, comida, eletrólitos e o que mais precisássemos.
Sou muito grato por ter tido a oportunidade de fazer parte da equipe Pump N Paddle. Valeu PO!!!
Subimos na lancha, percorremos 20km, paramos e o capitão falou: “Pronto, agora vocês podem voltar para a água e remar até a praia. 100% por conta de vocês.”
Nesse momento, coloquei na minha cabeça que a lancha era coisa do passado e que agora eu estava numa missão de remar os 60km que faltavam.
Mas antes, pensei: “Putz, ainda faltam 60km, isso é coisa pra [email protected]@lho, é uma maratona e meia.”. É tipo dobrar a meta e depois fazer mais 50% da meta.
Ao mesmo tempo que isso me assustava, porque eu já estava bem cansado e o sol iria castigar cada vez mais, isso era exatamente o que me dava mais energia para continuar. Era o que exigiria que eu entrasse num estado de fluxo!
Lançamos as pranchas ao mar, subimos em cima e remamos 1h numa velocidade média mais de 50% mais rápida que nossa média total anterior. O que antes parecia impossível, se concretizou. O ritmo ideal tinha sido atingido.
Mesmo com algumas quedas e paradas, conseguimos manter um ritmo muito superior ao inicial por algumas horas!
Esse foi o motivo pelo qual o capitão quis nos colocar na lancha. Se não nos adiantássemos, perderíamos parte dessa corrente. Se fosse apenas uma questão de continuar no nosso ritmo porque a corrente estaria lá nos esperando, certamente não teríamos subido a bordo. Mas o tempo estava passando, e a corrente também.
Com a mente focada 100% na missão que tínhamos à nossa frente, remamos.
Por mais que o mar estivesse mais agitado, a força das ondas nos conduzia rumo ao nosso destino. Era mais desafiante nos equilibrar, mas ao mesmo tempo era incrível poder sentir a força da natureza.
Ps.: toda vez que eu uso a palavra “onda” neste relato, me refiro a grandes ondulações no mar e não a ondas típicas de surf, com crista bem definida, que quebram e fazem espuma.
Cada vez que uma onda grande passava e me desequilibrava, eu procurava flexionar bem os joelhos, baixar o centro de gravidade e retomar o equilíbrio. Cada vez que eu tinha sucesso, eu vibrava! Quando eu caía, aproveitava para me refrescar haha.
O mesmo se repetia quando passava um barco, que mexia ainda mais o mar. Eu pensava: “Massa, se prepara que lá vem!!! Quero ver ficar em pé depois dessa!”. Encarava isso tudo como um jogo, onde eu tinha que passar pelos obstáculos e grandes mudanças eram novas fases.
Eu sorria pra onda, mantinha meu foco no horizonte e curtia cada re-equilibrada, muitas vezes acompanhada por um friozinho na barriga. As melhores ondas mereciam um grito: “Kamon!!!”.
As ondas não vinham de trás para frente, mas de trás e pela direita (sudeste), tudo para temperar ainda mais nosso equilíbrio.
Estar ali, no meio do oceano e daquelas ondas, me dava uma noção do quão pequenos somos. Aquela imensidão azul, não mais clarinho e transparente, mas azul escuro, típico de alto mar, me dava uma perspectiva do quanto somos insignificantes e frágeis, mas ao mesmo tempo, fortes e capazes!
Uma teoria que busquei aplicar ao máximo, desde a preparação, mas principalmente durante a travessia, foi a de que o que nos afeta não são os fatos ou eventos, mas como reagimos diante deles.
Uma onda grande que me derrubasse poderia ser interpretada como uma ameaça a minha estabilidade e continuação da travessia, mas eu ESCOLHI percebê-las como um obstáculo a mais a ser superado para fazer da minha travessia uma experiência ainda mais emocionante e recompensadora! Uma oportunidade para aprender a me equilibrar em alto mar de stand-up paddle, algo que eu nunca tinha feito antes.
Sim, é uma escolha! Sabe aquela velha história do copo meio cheio ou meio vazio? Um copo tem água pela metade. Ele está meio cheio ou meio vazio? VOCÊ é quem ESCOLHE como irá percebê-lo!
Se você pensar que ele está meio cheio, é porque escolheu assim. Você ou outra pessoa poderia muito bem ter escolhido pensar meio vazio. MESMO fato, percepções OPOSTAS. Escolhas!
O segredo é ter isso sempre em mente e procurar desenvolver mais de uma perspectiva, sobre as mais variadas situações, principalmente sobre as desagradáveis, indesejadas, inconvenientes e ESCOLHER aquela perspectiva que melhor lhe convier, a que mais está alinhada com o seu objetivo.
Seguimos remando, com parciais entre 9 e 11km/h. Quando meu relógio marcou 90km percorridos, gritei: “Faltam só mais 30km galera, Kamon!!!”. Aí o capitão olhou pra mim e falou: “30? Faltam 45km.”
Ps.: na verdade, a gente conversava em milhas ao invés de km, mas para o relato, preferi converter tudo para km porque é a unidade de distância mais familiar dos leitores brasileiros.
Na hora, eu pensei que eu pudesse estar fazendo as conversões erradas, então fiz e refiz os cálculos e re-confirmei com o capitão. Segundo o GPS da lancha, faltavam 45km. Ooops!
Acho que tínhamos um pequeno problema pela frente, de novo…
